2007-04-28

"As formigas", Boris Vian (XII a XV)

XII

Outra vez aqui. Na cidade, ainda assim, a gente chateava-se menos. Avançamos muito lentamente. Todas as vezes que terminamos os preparativos da artilharia mandamos uma patrulha, e todas as vezes um dos tipos da patrulha volta de sebo limpo por um atirador isolado. Recomeçamos então os mesmos preparativos, mandam-se aviões, deitam tudo abaixo e dois minutos depois os atiradores isolados voltam a dar tiros. Neste momento estão de volta os aviões, conto setenta e dois. Não são lá muito grandes, mas a aldeia também não é. Daqui vêem-se as bombas cair em espiral e fazem um barulho abafado, com bonitas colunas de pó. A gente vai atirar-se ao ataque, mas primeiro é preciso mandar uma patrulha. Diabo de sorte, que já lá estou caído. Temos cerca de quilómetro e meio para fazer a pé, e eu cá não gosto de andar assim tanto, mas nesta guerra nunca pedem a nossa opinião. Amontoamo-nos atrás do entulho das primeiras casas, parece que não resta nenhuma em pé de uma ponta à outra da aldeia. Habitantes parece que também não há muitos, e os que vemos fazem uma cara esquisita se ainda a têm; deviam perceber que não podemos arriscar-nos a perder homens para salvá-los a eles mais às suas casas; a maior parte das vezes casas velhas sem nenhum interesse. De resto é esta a única maneira de se verem livres das que sobram. Em geral compreendem bastante bem o caso, embora alguns pensem que há outros meios… Ao cabo e ao resto é lá com eles, até pode acontecer que tivessem apego às casas, mas com certeza já têm muito menos no estado em que elas estão.
Continuo na patrulha. Mais uma vez sou o de trás, à cautela, e o da frente acaba de cair no buraco de uma bomba cheio de água. Sai de lá com o capacete forrado de sanguessugas. E também traz com ele um grande peixe todo espavorido. No regresso o Mac deu-lhe uma ensinadela, para ele não armar aos cágados; o tipo não gosta nada de chewing-gum.

XIII

Acabo de receber uma carta da Jacqueline, com certeza entregou-a a um tipo qualquer para ir deitá-lá no correio, pois chegou num sobrescrito dos nossos. É uma rapariga esquisita, não haja dúvidas, mas é possível que todas as raparigas tenham ideias pouco vulgares. Desde ontem recuámos um pouco, mas amanhã voltamos a avançar. Sempre as mesmas aldeias completamente arrasadas, até faz neura. Encontrámos um aparelho de rádio novinho em folha. Estão agora a experimentá-lo, mas realmente não sei se é possível substituir uma lâmpada por um coto de vela. Penso que é, porque oiço tocar o Chattanooga; pouco antes de voltar dancei-o com a Jacqueline. Se ainda tiver tempo, creio que vou responder-lhe. Agora é o Spike Jones; também gosto dessa música e bem queria ver isto acabado para comprar uma gravata civil com riscas azuis e amarelas.

XIV

Daqui a bocado partimos. Estamos outra vez perto da frente, e as granadas dá-lhes outra vez para aparecerem. Chove, não faz lá muito frio e o jipe anda bem. vamos descer e continuar a pé.
Parece que já lhes cheira que isto vai acabar. Não sei como é que o vêem, mas cá por mim gostava de safar-me o melhor possível. Ainda há sítios onde a gente apanha uns apertões. Não se pode prever o que nos espera.
Dentro de quinze dias tenho outra licença e já escrevi à Jacqueline para esperar por mim. Talvez seja asneira, pois a gente não deve deixar-se prender.

XV

Continuo de pé em cima da mina. Esta manhã saímos em patrulha e eu ia em último lugar, como é costume; todos lhe passaram ao lado mas senti o estalido debaixo do pé e parei logo. Só rebentam quando se tira o pé. Joguei aos outros o que trazia nos bolsos e disse-lhes para se irem embora. Estou sozinho. Devia esperar que voltassem, mas disse-lhes para não virem; e podia experimentar atirar-me para o chão, de barriga para baixo, mas tenho um verdadeiro horror a viver sem pernas. Só fiquei com o meu caderno e o lápis. Vou atirá-los para longe, antes de mudar de perna, e não posso deixar de fazê-lo porque estou farto da guerra e já começo a sentir um formigueiro.

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