2007-04-18

"As formigas", Boris Vian (VI, VII e VIII)

VI

Esta manhã aconteceu-me uma aventura tramada. Estava eu no palheiro, atrás da barraca, e preparava-me para fazer uma partida àqueles dois tipos que se vêem muito bem com o binóculo e tentam acertar em nós. Estava eu a esconder um morteiro de 81 num carrinho de bebé, o Johnny ia mascarar-se de camponesa para o empurrar, e o diabo do morteiro começa por cair-me em cima do pé; coisas destas não param agora de estar sempre a acontecer-me. O tiro saiu e eu para ali assim, caído e agarrado ao pé, quando uma dessas geringonças com engrenagens foi explodir no segundo andar, mesmo em cima do piano do capitão e na altura em que ele lá estava a tocar Jadá. Fez um barulho infernal e estilhaçou o piano. O que mais me dana é o capitão não ter sofrido nada, realmente nada que o impedisse de continuar a martelar com toda a força. A sorte foi logo a seguir ter chegado uma de 88 ao quarto. O capitão não viu que o fumo do meu morteiro é que tinha facilitado o alvo, e ainda por cima me agradeceu dizendo que eu lhe salvara a vida, pois fora obrigado a descer cá abaixo. Não é assunto que agora me interesse, pois o pior de tudo são os meus dois dentes partidos mais a garrafeira dele, que estava toda debaixo do piano.
O cerco é cada vez maior, isto cai-nos em cima sem dar descanso. Felizmente, o tempo começa a desanuviar, em doze horas só estão a chover nove e daqui a um mês já podemos contar com reforços de avião. Temos víveres que dão para três dias.

VII

Os aviões começam a mandar-nos umas coisas que caem de pára-quedas. Ao abrir a primeira tive uma decepção, lá dentro só havia uma data de remédios. Troquei-os no médico por duas barras de chocolate com nozes, coisa da boa, nada que se pareça com a trampa das rações, e meio flask de conhaque; mas depois ele desforrou-se a amanhar-me o pé esborrachado. Tive de devolver o conhaque, de outro modo a esta hora já só tinha um pé. Lá em cima aquilo começa outra vez a roncar, depois há uma aberta pequena e mandam mais pára-quedas, mas agora são tipos, segundo me parece.

VIII

Eram mesmo tipos. Dois muito pândegos. Parece que levaram todo o caminho a fazer golpes de judo um ao outro, a arrear castanhas, a pintar a manta. Saltaram ao mesmo tempo e puseram-se a brincar, cortavam à faca as cordas dos pára-quedas. Por má sorte o vento separou-os e viram-se obrigados a continuar com tiros de espingarda. Poucas vezes vi atiradores tão bons. Mas depois a gente teve de enterrá-los porque caíram de alto demais.

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