2007-04-14

"As formigas", Boris Vian (IV e V)

IV

Eu bem dizia que andavam a tramar alguma. Chegaram quatro tanques bastante perto de nós. Vi o primeiro a sair e pouco depois parar. Uma granada tinha desfeito uma das lagartas, que de repente se desenrolou com um pavoroso ruído de sucata, mas o seu canhão é que não avariou por tão pouco. A gente agarrou num lança-chamas; nesta coisa, aqui, a maçada é ter-se de rasgar a capota dos tanques e só depois o lança-chamas ser posto a funcionar; sem isso o tanque rebenta (como uma castanha) e os tipos que vão lá estão fritos. Eram três a rasgar a capota com uma serra de metais, mas como estavam a chegar mais dois tanques fomos obrigados a dar cabo deste, mesmo sem o rasgar. O segundo também se foi à viola e o terceiro deu meia volta, só a fingir porque vinha de marcha-atrás. Aquela coisa de ele desatar a dar tiros aos tipos que vinham atrás tinha-nos espantado um pouco. Deu-nos uma prenda de anos que foi doze granadas de 88; e se quisermos novamente a casa vamos ter de voltar a construí-la, embora seja mais rápido tomar conta de outra. Acabámos por afastar o terceiro tanque com uma bazuca carregada de pós de espirrar; os que lá iam deram uma cabeçada tão forte na blindagem, que só saíram cadáveres de dentro. Apenas o condutor vivia um pouco, mas entalou a cabeça no volante e não conseguiu tirá-la, por isso achámos preferível cortar a cabeça do tipo em vez de dar cabo do tanque, que ainda estava bom. Depois chegaram motociclistas com espingardas-metralhadoras, vinham atrás a fazer um chiqueiro dos diabos, mas resolvemos o caso com uma velha ceifeira-atadeira. Entretanto, ainda nos caíram na cabeça algumas bombas e mesmo um avião que o nosso D. C. A. tinha abatido sem querer, pois em princípio só atirava aos tanques. Na nossa companhia perdemos o Simon, o Morton, o Buck e o P.C. Ficámos com os outros e um braço do Slim.

V

Sempre cercados. Agora há dois dias que não pára de chover. No telhado só há telha sim, telha não, mas as gotas caem onde devem cair e realmente não estamos molhados. Não há maneira de conseguir saber-se quanto tempo isto ainda vai durar. Patrulhas que nunca mais acabam, mas sem treino é bastante difícil a gente olhar pelo periscópio e é cansativo aguentar mais de um quarto de hora com lama por cima da cabeça. Ontem encontrámos outra patrulha. A gente não sabia se era dos nossos ou daqueles outros, ali da frente, mas debaixo de lama nada se arriscava em atirar, porque era impossível fazer qualquer espécie de dano; por isso as espingardas desataram logo aos tiros. Já tentámos tudo para acabar com esta lama. Deitámos-lhe gasolina em cima; largando fogo ela seca mas depois, se a pisamos, ficam os pés assados. A única solução será cavar até à terra firme, mas ainda é mais difícil patrulhar em terra firme do que na lama. A gente vai acabar, mais ou menos, por habituar-se. O aborrecido é ter aparecido em tanta quantidade que até faz ondas. De momento vá lá, só chega à trincheira, mas de um instante para o outro vai subir de novo até ao primeiro andar, e que desagradável há-de ser.

Sem comentários: