André Villa trocara Malta pela Madeira nessa época agitada e fecunda que desembocaria, já ao findar do século, na Revolução Francesa. André era, então, muito jovem. Que experiências teria vivido, que passado lhe dera origem, que motivara a sua migração, como seria – pergunta-se Raquel – esse avô desconhecido que deixara negócios de vinhos, tapetes turcos, pratas antigas e livros italianos? Raquel alimenta o desejo de partir à descoberta de La Valetta, a cidade dos seus antepassados. Conhecendo só os Passos, a família a quem se ligou o primeiro Villa ao chegar à Madeira, sente-se incompleta e inexplicada. Quem eram os Villas, como viviam, como eram essas mulheres de quem ela teria herdado, ao que conjecturava, o cabelo cor de vinho velho, as pernas altas e a rebeldia? A sua paixão pelo mar e pelas viagens que nunca fez, permite-lhe a cumplicidade, tão dolorosa por vezes, com que aceita as fugas de Marcos. Ele acabou, contrafeito e reticente, por admitir a palavra: fuga, pois então é de fuga que se trata, Marcos. Não de mim, amor, ou até, confessa, um pouco também de mim. Mas sobretudo fuga do tédio, do consultório, do hospital, dos doentes, das visitas obrigatórias, dos passeios sempre iguais, das conversas sem surpresa, das mesmas caras e das mesmas cenas, ano após ano. Feliz Marcos que pode quebrar a monotonia e fugir, ser médico da Armada por um ano, sempre que a claustrofobia da ilha atinge o ponto de sufocação. E eu?, pergunta-se Raquel, debruçada à janela da casa do Vale Formoso, à janela onde se debruça todos os dias de toda a sua vida. E eu? Para mim, que nasci mulher, que quis casar e ser mãe, para mim nada mudou desde Penélope. O meu quinhão é esperar. Dentro de casa. Fiando. Ou olhando o mar. Sorri, apesar de tudo. É feliz, apesar de tudo. Casou com quem quis e como quis. Teve a pequena, saborosa liberdade de recusar a segurança quase ofensiva com que Marcos lhe falara em casamento. Falara, não pedira. Vira-o partir sem ceder o menor gesto de simpatia, deixara-o seguir para um estágio em Londres sem uma palavra de esperança. Talvez devesse ter percebido, aí, que as fugas começavam. O caminho do mar tornava-se a opção do desalento, a cura das mágoas, o antídoto do tédio. E eu, meu Deus? Será inelutável o caminho de Penélope?
2007-06-02
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