2007-12-14

"A miragem", Vinicius de Moraes

Não direi que a tua visão desapareceu dos meus olhos sem vida
Nem que a tua presença se diluiu na névoa que veio.
Busquei inutilmente acorrentar-te a um passado de dores
Inutilmente.
Vieste – tua sombra sem carne me acompanha
Como o tédio da última volúpia.
Vieste – e contigo um vago desejo de uma volta inútil
E contigo uma vaga saudade…
És qualquer coisa que ficará na minha vida sem termo
Como uma aflição para todas as minhas alegrias.
Tu és a agonia de todas as posses
És o frio de toda a nudez
E vã será toda a tentativa de me libertar da tua lembrança.

Mas quando cessar em mim todo o desejo de vida
E quando eu não for mais que o cansaço da minha caminhada pela areia
Eu sinto que me terás como me tinhas no passado –
Sinto que me virás oferecer a água mentirosa
Da miragem.
Talvez num ímpeto eu prefira colar a boca à areia estéril
Num desejo de aniquilamento.
Mas não. Embora sabendo que nunca alcançarei a tua imagem
Que estará suspensa e me prometerá água
Embora sabendo que tu és a que foge
Eu me arrastarei para os teus braços.

2007-10-04

«Circo», José Saramago

Poeta não é gente, é bicho raro
Que de jaula ou gaiola se escapou
E anda pelo mundo às cabriolas,
Aprendidas no circo que inventou.
Estende no chão a capa que o disfarça,
Faz do peito tambor, e rufa, salta,
É urso bailarino, mono sábio,
Ave de bico torto e pernalta.
Ao fim toca a charanga do poema,
Todo feito de notas arranhadas,
E porque bicho é, bicho ali fica,
A uivar às estrelas desprezadas.

«Despedida na ausência», Ana Margarida Falcão (excerto)

Um riso a completar na tua inexistência
na ausência de quem não pode partir.
Um riso a completar na transgressão da incerteza
na despedida inventada por inventar
amanhã
ou hoje
devagar
em silêncio.

in Poemas, Ilha 4, Ed. CMF, 1994

2007-09-07

«Porque», Sophia de Mello Breyner

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina caiada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

2007-08-29

"Hoje não", José Luís Peixoto (excerto)

Para quem se vai embora é sempre mais fácil. Pelo menos, muda de ares. Quem fica tem de respirar os restos de epiderme polvilhados sobre os móveis da casa. Neste caso, eu era essa pessoa de narinas abertas. Esse destino estava traçado desde o primeiro dia. (...) Eu não ia a lado nenhum.

2007-08-25

Carla Bruni, "Quelqu'un m'a dit"

On me dit que nos vies ne valent pas grand chose,
Elles passent en un instant comme fanent les roses.
On me dit que le temps qui glisse est un salaud
Que de nos chagrins il s'en fait des manteaux
Pourtant quelqu'un m'a dit...

Que tu m'aimais encore,
C'est quelqu'un qui m'a dit que tu m'aimais encore.
Serait ce possible alors ?

On dit que le destin se moque bien de nous
Qu'il ne nous donne rien et qu'il nous promet tout
Parait qu'le bonheur est à portée de main,
Alors on tend la main et on se retrouve fou
Pourtant quelqu'un m'a dit ...

Que tu m'aimais encore,
C'est quelqu'un qui m'a dit que tu m'aimais encore.
Serait ce possible alors?

Mais qui est ce qui m'a dit que toujours tu m'aimais?
Je ne me souviens plus c'était tard dans la nuit,
J'entend encore la voix, mais je ne vois plus les traits
"il vous aime, c'est secret, lui dites pas que j'vous l'ai dit"
Tu vois quelqu'un m'a dit...

Que tu m'aimais encore, me l'a t'on vraiment dit...
Que tu m'aimais encore, serais ce possible alors ?

On me dit que nos vies ne valent pas grand chose,
Elles passent en un instant comme fanent les roses
On me dit que le temps qui glisse est un salaud
Que de nos tristesses il s'en fait des manteaux,
Pourtant quelqu'un m'a dit que...

Que tu m'aimais encore,
C'est quelqu'un qui m'a dit que tu m'aimais encore.
Serait ce possible alors ?

Para ouvir: http://www.youtube.com/watch?v=fMUedRUJ_HA&mode=related&search=

2007-07-21

"Quase perfeito", Donna Maria (música)

Sabe bem ter-te por perto
Sabe bem tudo tão certo
Sabe bem quando te espero
Sabe bem beber quem quero

Quase que não chegava
A tempo de me deliciar
Quase que não chegava
A horas de te abraçar
Quase que não recebia
A prenda prometida
Quase que não devia
Existir tal companhia

Não me lembras o céu
Nem nada que se pareça
Não me lembras a lua
Nem nada que se escureça
Se um dia me sinto nua
Tomara que a terra estremeça
Que a minha boca na tua
Eu confesso não sai da cabeça

Se um beijo é quase perfeito
Perdidos num rio sem leito
Que dirá se o tempo nos der
O tempo a que temos direito
Se um dia um anjo fizer
A seta bater-te no peito
Se um dia o diabo quiser
Faremos o crime perfeito


...

Para ouvir: http://donnamarialetras.blogspot.com/